Escrever é uma forma de expressar o que as vezes nos é privado ou simplesmente o que não nos é permitido falar...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A Ultima Carta

Com minhas mãos trêmulas consigo enfim lhe escrever esta carta, com nenhuma certeza desta poder te alcançar, por vários motivos, o principal é que não sei se ainda reside no mesmo endereço. Mas mesmo assim não deixarei de tentar mais uma vez.
Lembra-se de quando ficávamos escrevendo nossos nomes juntos dentro de um coração em pequenas folhinhas da grande árvore? Nossa árvore, onde matávamos aula apenas para ficar sentados em suas grandes raízes, você dizia que ela tinha mais de mil anos. Uma das raríssimas recordações que tenho. Nunca duvidei disso sabia, pois agora sei que o tempo passa muito rápido, e é precioso, e para aquela árvore não tem limite de tempo, mas para mim sim. Tenho data de validade limitada.
Me recordo também de sua maneira de olhar o mundo, via sempre as coisas por um ângulo excêntrico e positivo, mesmo nas situações mais difíceis e inusitadas você sempre tinha sua positividade em mãos. Sempre com cartas na manga para peças pregadas pelo destino. Hoje vejo o valor disso tudo, pois queria ter essas cartas na manga, mas no meu caso teria de ser um baralho completo, ou mais que apenas um.
Não sei mais como andas, pois não ando mais com total liberdade, sou restrito a um jardim que de inicio era lindo, florido, cheio de pássaros, antes tinha o cheiro de esperança, mas com o tempo se tornou um labirinto sem saída, as flores que eram coloridas e com vida, que me alimentavam com a vontade de viver, hoje não desabrocham mais, e me lembra morte, um jardim fúnebre, um jardim morto, mas é o que me resta de melhor, pois a outra escolha é um quarto branco em cima de uma cama. Pelo menos aqui movimento os meus braços, pois minhas pernas não me sustentam mais, agora ando sobre rodas. Mas o lado bom disso é que evita o desgaste dos joelhos. Lembra quando me dizia que devemos cuidar de nossos joelhos, pois quando velhos vão ser a sustentação principal da nossa experiência. Experiência era o nome que você dava a velhice.
Recordo-me como se fosse hoje de tudo que passamos juntos, e agradeço por lembra-me de tudo, pois o que me resta hoje são lembranças, às vezes elas me perturbam, as vezes me pregam peças, mas se não fossem elas já teria me entregado.
Descobri umas coisas importantes, por isso o motivo dessa tentativa de comunicação, depois de varias outras que não sei se recebeu, e de vários telefonemas mal sucedidos, ainda tenho vontade de lhe mostrar aprendizados, como fazíamos na escola e depois na faculdade, ensinávamos tudo um para o outro com intuito de sermos pessoas cada vez mais completas, hoje vejo que era um modo de pensamento valido, mas para mim se tornou dispensável. Pra não perder o raciocínio, pois esse também me deixa na mão com mais freqüência a cada dia, aprendi que a mente pode viajar por onde quisermos, mas com o tempo ela se fecha junto de nossa tortura, e as viagens se transformam em pesadelos, portanto, leia muito, conheça vários lugares, viaje o quanto puder, pois assim estará alimentando sua imaginação e assim poder retardar a prisão que nossa alma faz em volta dela.
Aprendi com tudo isso que a solidão é cruel, e não a coisa que doa mais que a rejeição, que o esquecimento. Saber que não escrevi meu nome com letras legíveis na vida das pessoas me deixa incapacitado, pois se tivesse feito melhor minha passagem ai fora, antes de ser aprisionado aqui, poderia ter pelo menos uma visita por mês, ou quem sabe por ano, de alguém que me achou uma boa pessoa, mas fiquei preocupado demais com o meu bem estar especifico, deixando de lado ate mesmo o seu bem estar.
Aprendi que bens matérias em situações adversas não valem nada, se eu tivesse um iate ancorado em alguma ilha particular no Caribe, lá iria estar, e lá iria ficar ate alguém tomar posse. Se tivesse uma casa luxuosa com um terreno enorme, piscina e carros importados, alguém estaria usufruindo do que é meu enquanto estaria na mesma situação que estou. Portanto, o que se leva é vivência, alegrias, amores, experiências, boas ações.
Aprendi que não adianta se arrepender de coisas que passaram, coisas que fizemos, e sim se arrepender de não termos feito, pois errar é humano, e só aprendi quem não tem medo de errar.
A bagagem que vou levar é muito pequena, o sofrimento não faz efeito como fazia, pois aprendi que ele é opcional, tristezas tenho muitas, pois a solidão abri espaço apenas para coisas ruins, mas não culpo nada e nem ninguém, temos o que nos é merecido. E o que nos é imposto temos que acatar.
A única imagem que não se apagou de minha memória ate hoje é seu rosto, mesmo assim porque me lembro dele por uma fotografia que escondo debaixo de um ladrilho, mas com sinceridade não sei ate hoje o porquê não deixam ter pertences particulares aqui, dizem que é devido ao tratamento. Mas pelo menos me recordo de sua face sempre que minha memória não consegue a desenhar no teto de meu quarto. E assim posso conversar com você todas as noites.
Vou ficando por aqui com a quase certeza de que você não vá receber essa carta, mas valeu mais uma tentativa. Noticia normal agora, vão testar mais uma droga nova em mim, mas o otimismo não consegue mais tomar conta de minha vontade de viver. Tudo que era importante pra mim ficou em algum lugar lá atrás, um lugar que não me resta nem em lembranças mais, a pouco tempo existiam pequenos flashes, hoje nem isso.
Não sei se terei mais tempo ou forças pra mais uma tentativa, mas saiba que te levarei dentro de mim, minha única lembrança de quando vivi realmente, a única certeza que um dia vivi fora desses grandes muros. A única certeza que um dia eu tive uma vida.

Thiago Simioni

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